Resolvi descartar a coluna “resenhas de livros teóricos” porque me parece mais pertinente e crítico elaborar artigos embasados nesses livros. No presente artigo que segue esse molde, além de fazer um resumo sobre o que me despertou
a atenção na leitura, também farei algumas considerações relevantes e que são
voltadas aos dias atuais.
Best-Seller: a literatura de mercado é um livro bem fininho, com pouco mais de 70
páginas, do autor Muniz Sodré, que possui outras publicações acerca da
literatura de massa (termo que não me agrada). O problema de um livro teórico,
e provavelmente de outros que irei encontrar falando sobre esse mesmo tema,
seja a ausência de reflexões voltadas para a recepção e interação do público
com esse tipo de literatura, que se tornou bastante intensa e diversa com o
advento da internet e a explosão de novas mídias ao alcance da massa.
Acredito que a tecnologia como “ponte” entre leitor e literatura e as possíveis
influências que possa sofrer tal relação também deva ser considerada
atualmente. Por conta disso, parece-me que livros desse tipo são ótimos e
essenciais, mas desatualizados no contexto da “recepção” dessa
literatura pelo leitor, assim como os diálogos entre a própria literatura e as
novas mídias tecnológicas.
A
primeira tarefa do livro de Muniz Sodré é apartar as chamadas “literatura
culta” e “literatura de massa”, termos que, a meu ver, são desnecessários
quando levados a extrema importância a ponto de definir que uma é superior à outra. Há muitas alcunhas para ambas as literaturas, e, em se tratando da última, “literatura de
mercado”, “paraliteratura”, “subliteratura” e outros termos bastante
pejorativos. Tal segregação aparece também no próprio nome “literatura” para
definir obras de menor valor (seja lá o que isso signifique para quem utilize
esses conceitos) e “Literatura” para definir as obras já consagradas ou que intentam a glória. Como
leitor, eu colocaria tudo no mesmo saco e chamaria de “literatura” ou
“Literatura”, dá na mesma (apenas considerando o termo "literatura clássica" numa visão de respeito). Mas, por questões de categorização e forma de
produção, acho justo inserir essa divisão utilizando os termos postulados por
Umberco Eco, no livro Apocalípticos e Integrados para esse caso: “literatura de proposta” e “literatura de
entretenimento”. Segundo Eco, há duas diferenças entre essas literaturas: o esforço
e a originalidade. Mas deixarei para discorrer sobre essa diferença em
outra postagem para que eu não tome aqui demasiadas linhas de elucubrações.
Retomando
o livro de Muniz Sodré, o autor afirma que a emoção é um traço característico
da "literatura de entretenimento", o que é verdade. Um exemplo bem simples que evidencia a questão emotiva nos livros de entretenimento são as sinopses. Na verdade, a “emoção” é totalmente ofertada pelo mercado. Dificilmente uma propaganda de alguma arte apelará para frases reflexivas, mesmo que o “produto” em questão contenha um conteúdo culto misturado ao emotivo (MUNIZ SODRÉ). Será raro formular-se pensamento bastante crítico acerca de uma obra cujo objetivo é apenas entreter
o leitor com uma boa história: “o tema desse escritor não é só a decadência; é,
talvez acima de tudo, o temor da dissolução, da perda de identidade, o horror
ao vazio ontológico, a angústia de uma consciência a ponto de se
extinguir”(MUNIZ SODRÉ). Essa é uma frase que se dirige a um livro mais
reflexivo, provavelmente integrante dos “livros de proposta”. Contudo, é um
engano pensar que o livro de entretenimento também não pode suscitar reflexões
significativas para o leitor; aliás, reflexão pode-se tirar de qualquer ponto
ao nosso redor, por mais ínfimo e insignificante que ele possa ser, como um
clique na mente que apenas aguarda a força, a posição e o momento adequado para
acontecer. Os livros estimulam o pensamento crítico; alguns muito, outros bem pouco,
mas aquele que faz a reflexão acontecer é o próprio leitor. Portanto, essa
visão de que apenas “livros cultos” geram reflexões é uma meia verdade. Eles
possuem sim grande poder crítico, mas não são os únicos a realizarem isso.
Mesmo um livro de entretenimento pode gerar reflexão na mente de
quem o lê.
Muniz Sodré também comenta que a circulação de ambas as literaturas diferem-se nas regras de produção e consumo.
A realimentação é feita de maneira distinta, uma por reconhecimento acadêmico e
a outra pelo jogo econômico da oferta e da procura. Tenho quase certeza que se
uma obra academicamente reconhecida começasse a vender muito, os leitores
intelectuais passariam a enxergá-la de forma diferente, seguindo a visão de que
“vendeu muito no Brasil, então é lixo”. Isso porque, segundo eles, para alguma coisa ter
realmente “qualidade literária”, ela deve ser voltada para um pequeno grupo de
leitores mais exigentes. Se o leitor comum (não-acadêmico) passa a adorar tal
obra, então ela perde o seu valor. O popular não anda de mãos dadas com o gosto
culto, o que cria o pensamento de que o gosto do povo é ralé. A meu ver, o
gosto do povo é apenas controlado pelo mercado, podendo ser ele bom ou ruim. Mesmo
na lista dos mais vendidos aparecem títulos bem distintos em relação aos
aspectos qualitativos de uma obra, o que não significa dizer que uma é melhor que a
outra, e sim que são apenas obras diferentes, talvez até para públicos
diferentes (difícil imaginar que um mesmo público que compre George Martin
também vá comprar Nicholas Spark). A questão da preferência pelos gêneros
literários também deve ser levado em conta, o que deixa a lista ainda muito
mais relativa.
Temos,
então, uma pergunta: as obras oriundas desse nicho de entretenimento podem ser
estudadas no meio acadêmico?
E eu respondo: talvez não estudadas, mas consideradas e discutidas. A questão é que os mesmos elementos avaliadores que servem à analise de uma literatura culta não encontrarão espaço na literatura de
entretenimento. É preciso mudar o ponto de vista, experimentar novos ângulos,
relevar determinadas particularidades. A Academia é muito receosa em relação ao
estudo de obras contemporâneas e procura o valor apenas naquilo que o tempo
realmente indicou como importante. Mas qual o problema de estudar o “agora”? É o
medo de que o contemporâneo infecte com a banalidade um mundo fechado, voltado
apenas para si mesmo? Enquanto que na área de Línguas, os estudos consideram
todas as manifestações presentes, a Literatura se afasta delas e parece ansiar a
criação de um tempo próprio, um espaço construído pelo o que apenas ela (não a
Literatura, mas a instituição que atua como domadora dela) considera valoroso. Então
eu pergunto: se a "Língua é viva", por que a Literatura também não pode respirar?
6 comentários
Ulysses é um dos livros mais chatos que já foram escritos. Em termos de estudos literários ele é, definitivamente, genial. Para alguém que deseja estudar linguagem e literatura, é definitivamente uma obra necessária. Como entretenimento, contudo, é inútil. Eu comecei a ler e parei porque não me acrescentava nada, já que meu objetivo não é estudar a linguagem literária de forma tão profunda, e tão, tão acadêmica. Se fosse, minha opinião seria totalmente diferente. Não se pode dizer que Joyce é melhor que Rowling ou vice-versa. Apenas que ambos são excelentes, cada um no propósito que buscou alcançar com suas estórias. Simples assim.
Parabéns pelo artigo!
Agradeço o seu comentário no HomoLiteratus.
Muito interessante a sua coluna. Realmente Ulysses não é, nem de longe, uma leitura de entretenimento. Como uma ferramenta de pesquisa é interessantíssimo, mas como fica limitado à essa função. Existem livros que agem nos dois campos - e eu os julgo melhor por isso.
Forte abraço!
Luiz, sua proposta nesse post é intrigante, mas complicada. Eu comecei a cursar Letras esse ano e já estou bem ciente da proposta da linguística de tentar desconstrução a imagem de uma gramática normativa como algo que defina o que é 'certo' e 'errado' dentro da língua (e me vi abruptamente de total acordo). Mas eu não sei até que ponto isso também vale para a literatura, eu teria que ter contato com mais ensaios sobre o assunto...
Até onde sei, dividir a literatura entre 'L' e 'l' é aparentemente uma forma adequada. Não é para desprestigiar uma ou dizer que ela é menos literatura, mas é perceptível algumas diferenças qualitativas entre determinadas obras, e embora a crítica literária possa ser bastante tendenciosa e preconceituosa, eles tem argumentos para defender a superioridade de uma em detrimento de outra dentro do contexto literário e sua importância para a conscientização do ser humano. Eu admito ser um leitor iniciante - comecei inclusive odiando todo e qualquer livro e amando fanfics, anos depois, sem que percebesse, estava apaixonado por Eragon, Harry e Nárnia, mas há cerca de um ano, li alguns 'clássicos' por interesse próprio e sem incentivo de ninguém, e fiquei atônito. É inegável a forma como eles pegam sua mente e a entornam do avesso, é uma sensação distinta e peculiar, e isso para mim a deixa mais importante que a outra. No entanto, não ignoro a paixão que senti enquanto lia sagas da massa como os que citei.
Então, até o presente momento - mutável como sou - acredito que há sim diferenças dentro da literatura com relação a qualidade das obras, mas não é como a gramática que impõe uma forma 'correta' da língua e faz de qualquer variação que a exceda algo obtusamente 'incorreto', ou como é presente no dia-a-dia "não é português". Não, os dois são tão literatura quanto podem ser, mas diferem entre si hierarquicamente. Mas não sou adepto da concepção "virou best-seller" é ruim e sem qualidade. Nunquinha, há excelentes best-sellers.