Editora: Globo
Ano: 2003
Páginas: 215
Onde comprar? Saraiva
Sinopse: Imagine uma época em que os livro são uma ameaça a sociedade. Para exterminá-los, basta chamar os bombeiros - os responsáveis pela manutenção da ordem, queimando publicações e impedindo que o conhecimento se dissemine como praga. Mas Guy Montag, um desses profissionais, passa a questionar a sociedade em que vive.
Resenha
Considerada uma obra clássica
dentro do gênero da ficção científica distópica, ao lado de
Admirável Mundo Novo,
Laranja Mecânica
e 1984,
Fahrenheit 451,
de Ray Bradbury, mostra uma sociedade futurística (ou nem tanto, se
compararmos
a previsão do escritor na década de 50 com a tecnologia de hoje)
que abomina os livros e vive alienada. Dentre todas as distopias que
já li, o livro de Bradbury foi o mais tocante e impressionante
(embora não tenha a mesma abrangência que os outros mencionados
acima) simplesmente por centrar todas as questões da trama em torno
de um objeto “estranho” àquela sociedade, mas muito querido na
atualidade (ou não). É realmente curiosa a sensação de ler um
romance em que romances não podem serem lidos. Não apenas romances,
mas também biografias, poesias, livros de filosofia, psicanálise,
História, biologia, enfim, de QUALQUER tipo. Essa futurística Idade
das Trevas do pensamento crítico tem dois pilares centrais: a
censura e a alienação.
O título Fahrenheit
451 alude à
temperatura na qual o papel do livro queima. O número é
frequentemente referenciado em homenagem à obra de Bradbury em obras
e textos literários diversos, games e filmes (em Cloud
Atlas, por exemplo, a
personagem Sonmi-451). No entanto, foi publicada primeiramente como
novela (prosa de tamanho menor que o romance), em 1947, com o nome de
The Fireman.
Apenas em 1963 é que o livro com o título Fahrenheit
451, com algumas
modificações, foi lançado.
Na história, a queima dos livros
é feita pelos BOMBEIROS. De suas mangueiras não saem água, mas sim
jatos flamejantes. Eles
fazem os “incêndios”, lançam ondas de fogo nos montes de livros
escondidos nas casas após receberem as denúncias (geralmente de um
vizinho do “criminoso leitor”). Todas as moradias são à prova
de fogo, e tudo o que os bombeiros fazem é revirar as casas à
procura dos livros, juntá-los e queimá-los. E é justamente essa a
profissão do protagonista, Guy Montag.
Montag é o profissional bem
visto pelo chefe de seu trabalho, quase a ponto de ganhar uma
promoção pelos seis anos bem executados como bombeiro. Sua vida é
basicamente queimar livros durante o trabalho e conviver com sua
mulher, Mildred, enquanto está em casa. Todavia, a relação
conjugal com a esposa é superficial, artificial, com muito pouco
espaço para sentimentos mais intensos ou mais afetivos; apenas
estímulos sexuais e uma preocupação com a imagem de estarem
casados. Até mesmo a concepção
de gerarem vida é minimamente cogitada pelos casais dessa sociedade
por aceitarem a ideia do
quanto doloroso e problemático seria criar uma criança, pois os
problemas deveriam ser erradicados, e a vida, aproveitada no máximo
prazer e felicidade.
Prazer e felicidade conseguidos
com a TV. Todos os cidadãos, principalmente as mulheres, incluindo
Mildred, são alienados e passam quase todo o tempo dentro de casa
vendo TV, que ora passa notícias (manipuladas ou não) da prisão de
algum criminoso (às vezes leitores) e da efetiva ação do Estado
contra eles, ora com alguns programas em que apareciam pessoas se
dizendo primo, irmão, ou qualquer outro membro da família do
espectador. Ou
seja, a verdadeira família do indivíduo se encontrava na TV, e o
espectador, às vezes fazendo parte do programa com algumas frases
simples (mas que acredita serem significativas), crê
piamente ser um primo ou um irmão da pessoa na TV, embora na verdade
fosse um espectador qualquer. Mesmo que a TV, em nossa época, ainda
seja a “intrusa” nas pequenas e grandes reuniões de família, no
mundo imaginado por Bradbury isso toma proporções mais exageradas
no sentido do espectador atribuir um exagerado significado para o que
ocorre na TV em detrimento do próprio ambiente da casa. Mildred, por
exemplo, coloca o volume no máximo e, se não faz muito pouco caso
do que o marido conta, demora algum tempo para processar
relevantemente o que ele diz. Mesmo com o mundo em guerra, as pessoas
apenas se preocupam com a “família” do outro lado tela.
A vida de Montag passa a mudar
quando ele conhece sua vizinha, uma mulher completamente oposta às
características da esposa. Clarisse é uma personagem extrovertida,
gosta de conversar sobre assuntos incomuns, daqueles que nenhum
alienado pára pra pensar (na verdade, este nem gosta de pensar), e aos
poucos acaba por abrir a “mente aprisionada” de Montag.
— (…)Já viu os cartazes
de sessenta metros no campo, fora da cidade? Sabia que antigamente os
outdoors tinham apenas seis metros de comprimento? Mas os carros
começaram a passear tão depressa por eles que tiveram de espichar
os anúncios para que pudessem ser lidos.
— Eu não sabia disso! —
riu Montag abruptamente.
(Bradbury, página 23)
— Você já cheirou folhas
secas? Elas não cheiram como canela? Pegue. Sinta.
— Puxa, é verdade. Dá pra
achar que é canela mesmo.
Ela olhou para ele com seus
olhos brilhantes.
— Você sempre parece
chocado.
— É que eu nunca tive
tempo…
(Bradbury, página 49)
Então, quando o protagonista começa a romper com o sistema e se dar conta da distopia onde vive, inicia-se o seu “aprendizado”… com os livros. Seu conflito entre ler os livros escondidamente em casa e queimá-los como bombeiro se desenrola ao longo da história, gerando faíscas na sua relação com a esposa e com o capitão dos bombeiros.
A estrutura do livro é dividida
em três arcos: “A lareira e a salamandra”, que narra a ação dos bombeiros nessa sociedade e a vida conjugal de Montag. A segunda parte, "A peneira e areia", uma imagem usada no livro que compara a areia com as palavras e a peneira com as informações que podemos deixar ou não passar, é a passagem que narra as descobertas de Montag no universo dos livros e sua relação com outro personagem, o professor Faber, que fora destituído do cargo há quarenta anos. A terceira e última parte do romance, intitulado "O brilho incendiário", narra a perseguição da polícia atrás de Montag e seu encontro com os homens-livros.
Os homens-livros são pessoas refugiadas próximas a ferrovias inutilizadas e bem distantes da cidade. Eles gravam toda o conteúdo de um livro, queima-o, e depois abdicam do próprio nome para serem chamados pelos títulos dos livros que gravaram. São personagens bem interessantes, os únicos humanos "livres" em toda a história narrada.
O desfecho da história mostra claramente como a alienação pode retirar o ser humano da realidade hostil em que vive, dar-lhe uma felicidade ilusória que poderá ser desfigurada a qualquer instante.
Adaptação cinematográfica
A relação entre Montag e Clarisse é mais explícita, e a personagem tem um destino diferente (muito mais justo e significativo) ao que é mostrado no livro. Os diálogos, muitos deles não apresentados na obra original, conseguem ser relevantes e pertinentes ao que a trama de Bradbury pretende: o controle do Estado e a alienação da sociedade.
Como resultado final, o filme consegue ser muito rico em conteúdo e tão notável quanto o livro. Contudo, dificilmente um remake poderia ser produzido já que soaria inviável conceber um futuro em que os livros de papel seriam queimados por bombeiros. Bradbury nunca teria imaginado os e-books.
O desfecho da história mostra claramente como a alienação pode retirar o ser humano da realidade hostil em que vive, dar-lhe uma felicidade ilusória que poderá ser desfigurada a qualquer instante.
Adaptação cinematográfica
A obra de Ray Bradbury ganhou uma excelente versão para o cinema em 1966, dirigido por François Truffaut. O filme segue parcialmente o enredo do livro. O Sabulo Mecânico, um cão de caça cibernético programado para caçar os criminosos pensadores, e o personagem Faber não participam do filme. Provavelmente o Sabujo exigiria efeitos especiais que poderiam ser difíceis de serem realizados na época.
Mas, apesar desse desvio do enredo, o filme soube aproveitar melhor algumas partes do livro, como a própria diegese criada por Bradbury. Truffaut insere diversas cenas "inéditas" que mostram o comportamento daquela sociedade: as antenas fixas em todos os telhados das casas, a burocracia para um simples caso de emergência médica, o solitária prazer sexual em público, o ensino matemático e robótico nas escolas que exclui completamente as disciplinas da área de humanas, entre muitos outros detalhes enriquecedores ao mundo de Fahrenheit 451. A relação entre Montag e Clarisse é mais explícita, e a personagem tem um destino diferente (muito mais justo e significativo) ao que é mostrado no livro. Os diálogos, muitos deles não apresentados na obra original, conseguem ser relevantes e pertinentes ao que a trama de Bradbury pretende: o controle do Estado e a alienação da sociedade.
Como resultado final, o filme consegue ser muito rico em conteúdo e tão notável quanto o livro. Contudo, dificilmente um remake poderia ser produzido já que soaria inviável conceber um futuro em que os livros de papel seriam queimados por bombeiros. Bradbury nunca teria imaginado os e-books.