Muito se discute se as histórias em
quadrinhos são literatura. Na verdade, a própria literatura é um termo
volátil e carente de arestas bem definidas. O que é ou não considerado
literário, se altera de acordo com a época. Há muito tempo, para que
algumas artes fossem consideradas de valor, as histórias em quadrinhos
foram incluídas no âmbito literário, contudo, essa inserção a levou a
uma adjetivação pejorativa de subliteratura, rótulo que ainda encontra
ecos em meios acadêmicos. Mas para os leitores comuns que almejam
simplesmente saborear uma boa narrativa, elas funcionam tão bem quanto
um romance.
Seria mais pertinente apostar que, em sua
capacidade intermidiática de texto e imagem, as histórias em quadrinhos
importam determinados elementos apreciados à luz da literatura. Logo,
não é um encaixamento de uma mídia em outra e sim uma importação. Um
leitor mais perspicaz de ambas as mídias é capaz de discernir as
diferenças e concebê-las, de fato como artes distintas. Os instrumentos
que servem à análise literária não são os mesmos que servem às histórias
em quadrinhos. As ferramentas utilizadas para contar uma narrativa são
diferentes, e consequentemente, a forma de ler essa narrativa será
diversa. Portanto, se as histórias em quadrinhos moram ao lado de seus
livros na estante não é porque elas são literatura, e sim porque também
são leituras cujo valor estético foi reconhecido como arte, na verdade, a
“nona arte”.
Feito esse preâmbulo, iremos nos
aprofundar num tipo específico de histórias em quadrinhos, que cada vez
mais vêm fazendo sucesso em terras brasileiras: o mangá. Essa narrativa
preta e branca que é lida de trás para frente, começou a ganhar adeptos
no Brasil no início dos anos 2000 com o lançamento de Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco
pela editora Conrad. Apesar das narrativas nipônicas já estarem
introduzidas aqui por meio dos animes, cujo precursor foi o próprio Cavaleiros do Zodíaco
(exibido na rede Manchete entre 1994 e 1997). Outros títulos
interessantes começaram a chegar imediatamente no país, mas devido à
falência da Conrad, as edições de todas as séries em publicação foram
canceladas. Somente nos últimos anos a indústria do mangá retornou com
força total no mercado brasileiro, graças ao contato dos otakus
(termo que se refere, aqui no Ocidente, a pessoa aficionada por mangás,
animes e cultura oriental), via internet, com uma variedade de animes e
mangás lançados no Japão e que demorariam a chegar aqui ou até mesmo
nunca viriam. E vale ressaltar que uma quantidade irrisória de animes
consegue chegar legalmente ao Brasil, gerando assim um considerável
público consumidor. Tendo isso em vista, editoras como a Panini, JBC e
New Pop trazem novos títulos a cada temporada para suprir a demanda
crescente de leitores.
Mas, ao perfilarmos os títulos de animes e mangás que estão na ponta da língua dos brasileiros, iremos nos deparar com o gênero shonen. Ele é também o gênero mais popular no Japão, direcionado aos jovens e crianças do sexo masculino. O shonen traz temas
recorrentes como amizade e superação, além de conter cenas de ação,
pitadas humorísticas típicas do mangá e diálogos bem compreensíveis. São
exemplos do gênero títulos como: Dragon Ball, Naruto, Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya, no original), One Piece, Yuyu Hakusho e Samurai X (Ruroni Kenshin,
no original). Todos já transmitidos em TV aberta, com algumas, ou
muitas censuras. Apesar da aparente superficialidade do gênero, alguns
desses mangás possuem elementos interessantes quando vislumbrados a
partir de um viés mais crítico, principalmente se considerarmos sua
relação com a cultura e mitologia oriental.
É preciso frisar que as séries animadas
mencionadas passam por um longo e penoso caminho antes de se tornarem o
que são. No Japão, os mangás, mais especificamente, os capítulos
seriados de um mangá, são inicialmente publicados em antologias com
centenas de páginas (semelhante a uma lista telefônica), em
papel-jornal. Logo, são vendidas a um preço bem acessível, publicadas
periodicamente, lidas por milhões de japoneses e depois jogadas no lixo
(como você faz com o jornal). Entre as editoras dessas antologias, a
mais reconhecida é a Weekly Shonen Jump, que publica semanalmente os
mangás do gênero shonen. E somente quando um mangá faz muito
sucesso nessas antologias, ele ganha um volume encadernado em torno de
120 e 200 páginas, que são as edições comercializadas em outros países e
que nós adquirimos.
Como ilustrei, os mangás citados formam
apenas um gênero, e percebam que “gênero” no mangá, em alguns casos, é
definido muito mais a partir do público-alvo que pelos elementos do
enredo. Confiram outros gêneros abaixo.
Shojo — Possui como público-alvo a mesma faixa etária do gênero shonen.
É um mangá mais sentimental, direcionado para as garotas adolescentes.
Romances e comédias românticas são frequentes neste tipo mangá. Ex: Sakura Card Captors, Kimi no Todoke.
Josei — Também possui
as mulheres como público-alvo, mas carrega um conteúdo mais adulto e
realista. Os amores idealizados caem para dar espaços a relacionamentos
mais maduros. Temas mais pesados como sexo e até homossexualismo,
abordados sutilmente no shojo, são mais explícitos neste gênero. Ex: Paradise Kiss, Nana.
Seinen — Assim como o josei é uma “evolução” do shojo, o seinen o é para o shonen.
Os personagens estereotipados de fácil identificação com o público
infanto-juvenil e os temas recorrentes nessas histórias dão lugar a um
enredo mais “pé no chão”, apresentando personagens e situações menos
caricatas do estilo shonen. Os conteúdos restritivos em seu
gênero antecedente tornam-se mais explícitos e os enredos demandam um
repertório de conhecimento maior do leitor para serem compreendidos. Ex:
Evangelion, Homunculus, Battle Royale, Gantz.
Gekiga — É um tipo de mangá voltado para o público adulto, sejam homens ou mulheres. Confunde-se bastante com o seinen, pois alguns títulos acabam aderindo características de ambos os gêneros. Contudo, o gekiga possui traços mais realistas e enredo mais dramático. Ex: Vagabond, Monster.
Ressalto que as nomenclaturas
apresentadas acima, foram criadas a partir do público-alvo mas não
representam divisões rígidas. Nada impede que o leitor de shonen seja um leitor de shojo, ou que o leitor de seinen seja um leitor de gekiga.
Além do mais, vários títulos acabam se comportando em dois gêneros ao
mesmo tempo. Os gêneros comuns como a ficção científica, fantasia,
romance policial, terror e outros figuram em todos os tipos de mangás,
pois o que os classificam é a maneira como tal enredo, junto de seus
temas, será explorado.
Texto publicado originalmente por mim no site Literatortura
2 comentários
pooxa, gostei muito do seu blog hehe, curto mangá... to seguindo e curtindo a pagina no face. Me segue e curte a pagina tbm? aaah e se quiser comenta la se curtiu o Utopia!!! :D
blog: http://history-imaginary.blogspot.com.br/