Resenhas, artigos e contos

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Artigo: A Realidade na Fantasia





A base para esse texto advém de uma discussão suscitada pelo Cabuloso Cast ediçãonº94, “A Fantástica Realidade da Fantasia é real?”, que procura discutir as gradações deste gênero literário e o quanto de realidade está presente nele. Recomendo que ouçam o episódio antes ou depois de lerem essa postagem, pois o conteúdo fomenta boas discussões (assim como outros episódios do Cabuloso Cast com assuntos interessantes passados de maneira bem-humorada).

Como leitor e escritor de histórias de Fantasia, principalmente as que envolvem a construção de um mundo fictício, este gênero infunde em minha alma particularidades que provavelmente não se desenvolveriam na leitura e escrita de outras literaturas. Primeiramente, gostaria de destacar o forte apelo imaginativo presente nos cenários e elementos fantásticos, que encontra, sobretudo nos leitores infantis e mais jovens, a liberdade mais do que necessária para ser atingida. Não à toa muitas obras destinadas ao público infantil e juvenil contêm a fantasia como principal ingrediente. Claro, não significa que uma literatura ausente de elementos insólitos não produza o mesmo efeito; o leitor, ao ler um livro, sempre fará uso de sua imaginação. Porém, a fantasia tem a capacidade de levar o leitor a uma situação “inconcebível” no mundo real, mas verossímil e, acima de tudo, humana.

Mas qual a finalidade de inventar elementos ou mesmo um mundo inexistente? Como eu disse acima, a fantasia é capaz de criar situações com as quais nos identificamos, isso porque, embora contenha adereços nada realistas, por alguma razão, encontramos um reflexo da própria realidade nelas. E isso acontece porque a base da fantasia é a realidade. Nenhum autor cria uma raça ou cenário do vazio, qualquer criação fantástica está imbuída de elementos reais que foram combinados a fim de estimular novas possibilidades, que por sua vez, podem causar a emoção ou a reflexão na alma.

Alguns pensam que a fantasia, por essa característica, é redundante. Afinal, se podemos falar de preconceito racial em uma história “pé no chão”, porque usar raças fictícias de Alta Fantasia para explorar o mesmo tema? Nessa concepção, só estaríamos maquiando o tema e adicionando distrações ao leitor, ao invés de apresentá-lo de forma crua e mais próxima. Mas eu prefiro ter uma ideia bem diferente, sendo este o principal argumento pelo qual leio e escrevo Fantasia. Essa “maquiagem” não serve para distrair o leitor, mas para provocar-lhe associações que o faça identificar os elementos presentes na realidade. Ao realizar essas associações, o leitor estará observando o mesmo tema dentro de um contexto diferente e ao mesmo tempo igual ao da realidade. Ao perceber a metáfora que remete a algo do mundo real, ele terá a oportunidade de observar uma mesma situação sendo repetida em outro universo, e a partir dos elementos reais recombinados e das regras imanentes desse universo fantástico, também poderá reavaliar essa situação sob um ângulo que não poderia existir dado as regras de nossa realidade.

Por último, há um ingrediente que recheia as histórias de fantasia e potencializa tudo o que foi dito acima: o teor mítico. Desde eras longínquas o ser humano se aproveita dos mitos para compreender a realidade, e por mais que hoje a ciência (não seria ela o mito do mundo moderno e explorada pela ficção científica?) consiga sanar algumas indagações do homem, as narrativas de fundo mítico sempre despertarão nosso fascínio e curiosidade.

A Fantasia é sim uma válvula de escape da realidade, mas ao escapar, o leitor ou o escritor leva a realidade consigo.