Autor: Mia Couto
Ano: 2007 (publicado originalmente em 1993)
Páginas: 207
Skoob
Sinopse:
Um ônibus incendiado em uma estrada poeirenta serve de
abrigo ao velho Tuahir e ao menino Muidinga, em fuga da guerra civil
devastadora que grassa por toda parte em Moçambique. Como se sabe, depois de
dez anos de guerra anticolonial (1965-75), o país do sudeste africano viu-se às
voltas com um longo e sangrento conflito interno que se estendeu de 1976 a 1992.
O veículo está cheio de corpos carbonizados. Mas há também
um outro corpo à beira da estrada, junto a uma mala que abriga os cadernos de
Kindzu, o longo diário do morto em questão. A partir daí, duas histórias são
narradas paralelamente: a viagem de Tuahir e Muidinga, e, em flashback, o
percurso de Kindzu em busca dos naparamas, guerreiros tradicionais, abençoados
pelos feiticeiros, que são, aos olhos do garoto, a única esperança contra os
senhores da guerra.
O romance tem uma estrutura narrativa peculiar: cada
capítulo divide-se entre narrar a história de Tuahir e Muidinga —
respectivamente, um velho e um menino que se escondem em um ônibus (machimbombo)
queimado para fugirem da guerra; e a contação da história de Kindzu, lida
por Muidinga através dos cadernos que
ele e Tuahir encontraram dentro de uma mala no ônibus, ao lado de um corpo.
A leitura da história de Kindzu é necessária aos
personagens que procuram afastar a solidão que impregna o ônibus e a região
campestre que os rodeia (e que aos olhos de Muidinga parece se alterar
sutilmente a cada vez que lê). Formalmente, também é uma forma de Mia Couto preservar
a tradição oral que é tão marcante na cultura africana, protagonizada pelo
indivíduo mais velho, senhor de mais experiência. Interessante, porém, é a
inversão dessa tradição no romance: a história de Kindzu é contada do garoto
para o mais velho e através da leitura, que exclui a experiência de vida
necessária para a narração. No entanto, nos relatos de Kindzu, vários são os
personagens que contam histórias, e fora delas, o próprio Tuahir exerce esse
papel de contador. A relação tradicional entre aquele que detém a sabedoria
(velho) e aquele que necessita de ensinamentos (novo) ocorre em outras ocasiões
da trama, tanto na jornada de Muidinga quanto na de Kindzu.
Terra Sonâmbula apresenta uma história pretérita e uma
presente, que serão enlaçadas ao final do romance (embora existam várias
congruências entre ambas ao longo da narrativa). Essa diferenciação também está
no âmbito cultural e histórico. A história de Kindzu principia no período
pré-independência e se arrasta até os meados da guerra civil. Nos relatos desse
personagem, a guerra começa a se fazer presente, alterando drasticamente a vida
de sua família. Com a guerra, também morre o pai de Kindzu, e ele não recebe um
funeral seguindo a tradição. Esse deslize passa a atormentar Kindzu, e ele pede
aconselhamento a um adivinho, que o recomenda cortar a tradição com os antepassados
e fugir para o mar. A imagem do mar, na literatura africana, é sempre um lugar
de escape.
A presença do fantástico é uma característica da
literatura de Mia Couto (embora eu só tenha lido alguns contos dele).
Aproveitando-se da magia que permeia a cultura africana, o autor recorre a
passagens fantásticas que confundem o leitor quanto a sua veracidade, mas este
a aceita como parte natural daquela realidade. Seria, portanto, um caso de
realismo mágico. Outra característica diz respeito à linguagem do autor. Ele a
trabalha no sentido de recriar a língua, visto que o português possui a questão
de ser a língua colonizadora. E, ao brincar com a linguagem, o autor cria
neologismos, como “meninar-se”, “brincriações”, “arco-iriscando”, e desenvolve
uma escrita que procura traduzir tanto o real quanto o mítico da cultura
moçambicana.
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